"E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações". Atos 2:42
O partir do pão.
As refeições exerciam um significado muito grande no AT. As festas no AT freqüentemente, se vinculam com refeições religiosas, que podem se descrever como: “comendo diante do Senhor e se alegrando” (Dt 12:7). A comunhão à mesa liga o homem a Deus e diante de Deus (Ex 18:12; 24:11). Uma refeição freqüentemente desempenha um papel ao concluir-se uma aliança secular (Gn 26:30; Js 9:14-15), onde Deus estava presente como hóspede invisível. Foi com uma refeição que Jacó e Labão selaram seu pacto de paz (Gn 31:46,54), e Moisés, seu sogro e os anciãos firmaram sua associação (Ex 18:12), Gaal e os siquenitas sua conspiração (Jz 9:26-41), e o povo seu acordo com o seu rei eleito (1 Sm 11:15; 1 Rs 1:25,41; 1 Sm 9:22). A comunhão à mesa significava que era outorgado o perdão (2 Sm 9:7; 2 Rs 25:27-30), a proteção (Jz 19:15) e a paz (Gn 43:25). Quebrar a comunhão da mesa era o mais detestável dos crimes (Jr 41:1-2; Sl 41:9).
A Páscoa
A refeição da Páscoa teve sua origem no período nomádico de Israel. Um cordeiro ou um cabrito de um ano de idade (Ex 12:5) era morto pelo chefe da casa no dia 14 de Nisã, ao pôr do sol (Ex 12:6), “entre o entardecer e a escuridão”. Seu sangue era espalhado nas ombreiras das portas, sua carne era assada e comida pela família durante a noite de 14-15 Nisã (Ex 12:8-9). Depois da tomada de Jerusalém, a matança dos cordeiros da Páscoa, bem como a refeição da Páscoa eram realizadas em Jerusalém (Dt 16:5-7; 2 Rs 23:21-23). A refeição judaica da Páscoa, nos tempos de Jesus, relembrava as casas marcadas com o sangue dos cordeiros da Páscoa, que foram poupadas por isso, e a redenção da escravidão no Egito. Ao mesmo tempo, a refeição da Páscoa antecipava a redenção futura, da qual a redenção do Egito era o padrão.
Participar da comunhão da mesa significava participar da benção de Deus. A oração no começo da refeição, e as ações de graça no seu fim tinham esse significado. O chefe do lar tomava o pão e pronunciava sobre ele a benção em nome de todos que estavam presentes. Depois, quebrava o pão que abençoara, e dava um pedaço a cada pessoa assentada à mesa. Desta maneira, todo participante da refeição recebia uma participação da benção. Seguia-se uma benção após a refeição. O chefe do lar pegava uma taça de vinho, a taça da benção (1 Co 10:16), e pronunciava uma benção em favor de todos os presentes. Depois, todos bebiam da taça da benção, a fim de receberem uma parte da benção pronunciava sobre o vinho. O emprego do vinho numa refeição comum não era obrigatório, mas a benção final era.
A Páscoa, mesmo antes dos tempos de Jesus, já seguia uma liturgia que era observada rigorosamente, porém, para que o artigo não fique muito cansativo e fuja do alvo que queremos alcançar, a Ceia do Senhor, propomos uma pesquisa sobre o assunto por parte do leitor, e no futuro podemos abordar o assunto em outro artigo. Dada esta introdução sobre refeições e a Páscoa, passemos então a tratar sobre a Ceia do Senhor.
A ceia do Senhor e o ambiente histórico da Páscoa
As narrativas sinóticas concordam que a Última Ceia de Jesus era uma refeição da Páscoa (Mt 26:17; Mc 14:12,14,16; Lc 22:7,11,12,15). Segundo estas, Jesus foi crucificado no Dia da Páscoa (15 Nisã). A execução num dia de festa tão solene não era historicamente impossível, pois em casos de crime muito sério, a execução tinha de ser levada a efeito “na festa” (Dt 17:13; 21:21) diante de todo o povo, em 15 de Nisã. Conforme João, quando Jesus foi acusado diante de Pilatos, os cordeiros da Páscoa ainda não tinham sido comidos (Jo 19:14). Mesmo assim, o equilíbrio da probabilidade parece pender para a apresentação nos Sinóticos, pois João estabelece o momento da morte de Jesus como sendo aquele em que os cordeiros da Páscoa estavam sendo abatidos no Templo, e ele claramente quer fazer da sua cronologia um comentário sobre o significado da morte de Jesus, isto é, Jesus morreu como o verdadeiro Cordeiro da Páscoa (Jo 1:29; 19:36; Ex 12:46; Nm 9:12; 1 Co 5:7). Várias discussões são levantadas em torno da questão cronológica da celebração da Páscoa entre Jesus e os discípulos e conseqüentemente a Última Ceia, ou a instituição desta para os dias futuros. Mas o que nos interessa saber aqui é que não apenas a situação histórica da narrativa mais antiga da Paixão sugere que a última refeição de Jesus foi realizada dentro do arcabouço de uma refeição da Páscoa, como também as próprias palavras litúrgicas da instituição.
O termo “Ceia do Senhor” ocorre somente em 1 Co 11:20. Quanto ao significado, relaciona-se estreitamente com a frase “a mesa do Senhor” (1 Co 10:21). A Ceia foi-nos instituída de 4 formas (Mc 14:22-25; Mt 26:26-29; Lc 22:15-20; 1 Co 11:23-25). Os estudiosos opinam que as versões diferentes das palavras de instituição representam em cada caso o texto litúrgico confiado ao escritor pela sua própria comunidade. As palavras de instituição, na forma na qual as temos, portanto, pertencem ao âmbito da liturgia e “por detrás de cada forma há, por assim dizer, uma congregação celebrante para a qual era destinada” (G. Bornkamn).
A Ceia do Senhor e a refeição da Páscoa
A Última Ceia de Jesus foi, com toda probabilidade, uma refeição da Páscoa. Pronunciou as palavras de instituição no âmbito da Sua última celebração da Páscoa e “claramente Se referia a muitos aspectos da festa, assimilando alguns, e mudando outros.Quando, como chefe da família, passou o pão para todos antes da refeição principal, acompanhou-o com uma palavra de explicação, e, da mesma forma, mais tarde, o cálice” (W.Marxsen). O cálice em referência foi o terceiro cálice “depois de cear” (Lc 22:20; 1 Co 11:25), o “cálice da benção” (1 Co 10:16) da festa da Páscoa.
A Ceia do Senhor e a liturgia da igreja primitiva
O emprego litúrgico das palavras da instituição torna-se aparente no mandamento explícito no sentido de se repetir o ato (Lc22:19), e sua reduplicação por causa do paralelismo litúrgico (1 Co 11:24,25), no acréscimo de imperativos tais como “comei”, “bebei” (Mt 26: 26-27), na substituição da terceira pessoa “para muitos” (Mc 14:24) pela segunda pessoa por “vós” (Lc 22:20), que estreita a referência universal das declarações acerca do cálice (a morte vicária de Jesus em prol de muitos) até ser uma fórmula de distribuição, evitando aramaísmos e semitismos, que eram incompreensíveis aos cristãos gentios, e, não em menor importância, o desaparecimento dos aspectos históricos da refeição da Páscoa, que eram incompatíveis com a liturgia da igreja primitiva e da celebração regular da Ceia do Senhor.
Atos 2:42
Em Atos 2:42 descreve-se uma liturgia de culto cristão primitivo. Depois do ensinamento, que podia ser substituído pela leitura de uma carta, e de uma refeição em comum (koinõnia), seguia-se, imediatamente após, a Ceia do Senhor (klais tou artou, “partir do pão”), terminando-se com salmos e orações (proseuchai). O desenvolvimento litúrgico é visível no fato de que as declarações pronunciadas sobre o pão e o cálice já não se separam por uma refeição inteira, que acontece na versão paulina (1 Co 11:25 “depois de cear”; Lc 22:20), mas sim, a refeição inteira vem antes da Ceia do Senhor, que fica, portanto, autônoma em si. A separação entre a refeição e a Ceia do Senhor também se pressupõe em 1 Co 11. É aqui que fica a causa direta dos abusos em Corinto.
Para a Igreja primitiva a Ceia do Sennhor era o antítipo da celebração pascal da velha aliança. Esta celebrava o evento da libertação de Israel do Egito, mas “ao mesmo tempo, a Páscoa é uma expectação da libertação vindoura da qual a libertação do Egito é o protótipo. Jesus, ao celebrar a Páscoa, ou a Última Ceia (como queira) com os discípulos, deu um novo significado à festa judaica. Ele disse aos seus discípulos, mediante Suas palavras e o simbolismo profético de que usou, que o significado original do rito pascal fora então transcendido, em vista do fato de que ele é o Cordeiro que cumpre as predições e prefigurações do Antigo Testamento (1 Co 5:7). Suas palavras e suas ações, ao tomar o pão e o cálice são parábolas que anunciam uma nova significação para o rito. O pão, sob Sua palavra soberana, se tornou a parábola do seu corpo rendido ao serviço do propósito redentor de Deus (Hb 10:5-10); e o Seu sangue, derramado na morte, relembrava os ritos expiatórios do AT, o que foi simbolizado no cálice da benção sobre a mesa. Esse cálice, dali por diante, era revestido de uma nova significação, como memorial de um novo Êxodo, realizado em Jerusalém. A igreja primitiva compreendeu isto, por isso celebravam a Ceia do Senhor, o “partir do pão” com alegria, relembrando a morte vitoriosa do Senhor na Cruz do Calvário.
O assunto é muito vasto, porém, finalizando essa postagem, a Ceia do Senhor apresenta uma tríplice perspectiva: 1ª) passada, lembra um evento e revive sua realidade e valor; 2ª) presente, anuncia e dramatiza a obra redentora do Senhor, convocando a Igreja ao cumprimento de sua missão; e 3ª) futura, exorta seus participantes à espera do Senhor glorificado que virá consumar o plano de Deus. E, nessa tríplice perspectiva, a Ceia é o mais forte elo da unidade corporativa da Igreja cristã, “porque todos participamos do único pão” (1 Co 10:17).
Obs: Disponibilizarei em breve a última postagem desta série de 4 estudos sobre Atos 2:42. Nosso próximo asssunto será "oração".
Em Cristo, Vencedor eternamente,
Samuel Eudóxio
Paz do Senhor!
ResponderExcluirInfelizmente parece que estas praticas estão sendo esquecidas por algumas igrejas, mas que Deus tenha misericórdia daqueles que o servem em verdade!
Claudinéia
http://pingofeliz.blogspot.com